João da Baiana, Caninha e Donga: da Batucada ao Samba. A partir dos últimos anos do século XIX, as principais cidades brasileiras assistiram ao despertar da consciência das camadas mais humildes da sociedade. Inferiorizados até 1888 pela existência da escravidão, os trabalhadores livres da era Republicana começaram a disputar um lugar na sociedade, o que, no campo do lazer, se evidenciou por uma crescente participação na festa do Carnaval, transformada pela classe média numa imitação da brincadeira Europeia, à base de desfiles de carros alegóricos, corsos e batalha das flores. Os integrantes dessas populações predominantemente negras e mestiças mais integradas na estrutura econômica das cidades, como os empregados de fábricas e pequenos burocratas, organizaram-se primeiramente no Rio de Janeiro em sociedades recreativas denominadas Ranchos, e passaram a sair no Carnaval produzindo um tipo de música orquestral m que acabaria fazendo nascer as marchas de Rancho e, em decorrência delas, as marchas-ranchos.
Os mais pobres, porém, onde a cor negra predominava (era o mestiço que invariavelmente galgava os primeiros degraus da escala social), continuaram a exercitar-se nos seus batuques e rodas de pernadas ou de capoeira (nome preferido na Bahia). Essa parte da população não saía no Carnaval de forma organizada, mas em cordões desordenados, cujos desfiles terminavam quase sempre numa esfuziante coreografia de rabos-de-arraia e em coloridas cenas de sangue.
No entanto, ia ser da música á base de percussão produzida por esses negros com o nome de “Batucada” que ia nascer o gênero popular mais nacionalmente representativo da música Brasileira: o
Samba. Três dos mais velhos representantes dessa fase seriam Caninha, João da Baiana e Donga, dos quais os dois últimos ainda chegaram a década de 70 do século XX, não apenas como sobreviventes de uma era extinta, mas continuando a demonstrar a validade da sua arte em espetáculos evocativamente denominados da “Velha guarda”.
O mais antigo, José Luis de Moraes, o Caninha, compositor e cavaquista, nasceu em Jacarepaguá no RJ, no dia 6 de julho de 1883 e morreu em Olaria RJ em 16 de junho de 1961, chamado em criança de Caninha Doce (Porque vendia roletes de cana na zona da Estação da estrada de ferro Central do Brasil, no Rio de Janeiro), aprendeu a música dos negros durante as batucadas realizadas na festa da Penha. E em 1932 quando essa população de descendentes de escravos foi obrigada a morar em casebres no alto dos morros do Rio, compôs o samba que valia por uma aula de História da música popular: “Samba do morro / não é samba, é batucada /é batucada / é batucada / é batucada… / cá na cidade / a escola é diferente / só tira samba / malandro que tem patente”.
De fato, quando Donga, o mais novo desses três pioneiros, realiza em 1917, sob o nome de samba, o arranjo de motivos populares que intitulou pelo telefone, sua primeira providência é registrar música e letra na biblioteca nacional. O que equivalia mesmo a tirar patente. A atitude de Ernesto Joaquim Maria dos Santos (Donga) nascido no RJ em 05 de abril de 1890 significa que, coincidindo com o aparecimento do samba, a música popular, como criação destinada ao entretenimento da massa, tinha atingido o estágio de produto comercial capaz de ser vendido e de gerar lucros. O crescimento da indústria de disco, e logo o aparecimento do rádio, seguidos mais tarde do cinema e televisão, provaram que Donga tinha sido um pioneiro esperto ao correr à repartição oficial para “tirar patente”.
Mas o exemplo de vida do mais velho sobrevivente da geração que criou o samba a partir da batucada, João Machado Guedes (João da Baiana), chamado assim porque era filho da
Baiana Perciliana de Santo Amaro, veio mostrar que essa esperteza ia valer para todos, menos para os que criaram o próprio samba.
Donga viveu seus últimos anos como funcionário aposentado da justiça, doente e quase cego, num subúrbio do Rio de Janeiro. João da Baiana, com 85, acabou por ser recolhido à casa dos artistas de Jacarepaguá, na zona rural Carioca, passando o fim dos seus dias de uma forma não muito diferente daquela que descreveu com bom humor no seu Samba de maior sucesso, o cabide de Molambo de 1932.
João da Baiana nasceu no RJ em 17 de maio de 1887 e faleceu no RJ em 12 de janeiro de 1974.
Pelo telefone – é considerado o primeiro samba a ser gravado no Brasil segundo a maioria dos autores, a partir dos registros existentes na biblioteca nacional.
Composição de Donga e do Jornalista Mauro de Almeida foi registrada em 27 de novembro de 1916 e gravada em fevereiro de 1917.
PELO TELEFONE (MARTINHO DA VILA)
O Chefe da polícia
Pelo telefone manda me avisar
Que na carioca tem uma roleta para se jogar
O Chefe da polícia
Pelo telefone manda me avisar
Que na carioca tem uma roleta para se jogar
Ai, ai, ai
Deixe as mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás
Ai, ai, ai
Deixe as mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás
Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Roubar amores dos outros
E depois fazer feitiço
Olha a rolinha, Sinhô, Sinhô
Se embaraçou, Sinhô, Sinhô
Caiu no lago, Sinhô, Sinhô
Do nosso amor, Sinhô, Sinhô
Porque este samba, Sinhô, Sinhô
É de arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar, Sinhô, Sinhô
O ?Peru? me disse
Se o ?Morcego? visse
Não fazer tolice
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
Do disse-me-disse
Mas o ?Peru? me disse
Se o ?Morcego? visse
Não fazer tolice
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
Do disse-me-disse
Ai, ai, ai
Deixe as mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás
Ai, ai, ai
Deixe as mágoas pra trás, ó rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás
Queres ou não, Sinhô, Sinhô
Vir pro cordão, Sinhô, Sinhô
Ser folião, Sinhô, Sinhô
De coração, Sinhô, Sinhô
Porque este samba, Sinhô, Sinhô
É de arrepiar, Sinhô, Sinhô
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar, Sinhô, Sinhô
Leo dos Monges