Detrás de minha casa, de um alpendre, eu vejo os telhados das casas vizinhas, a rua lá embaixo, a serra lá longe, o céu escampo.
À tarde, quando é verão, as nuvens relembram minha infância. Eu ficava vendo as nuvens formar carneirinhos, às vezes um monstro. Um dia, eu vi um bule direitinho.
Detrás de minha casa, eu ouço o palavreado de minha cidade, o cheiro de pão francês, ruído de caminhão, latido de cachorro. Agora, deu pra passar helicóptero, besourando, com aquela cauda de gafanhoto. Quando é amarelo e preto, eu só penso que é a polícia catando vendedor de marijuana.
Havia uma fábrica que passava a vida funcionando. Faziam biscoito. O cheiro de morango, de chocolate e frutas cítricas era tão forte que a gente acordava, de madrugada, para beber água de quartinha. Hoje, só escombros, as lagartixas se despencam dos muros, frágeis de inanição.
Detrás de minha casa, vemos homens que jogam dominó para esquecer o tempo, passar as horas. Como se fosse perigoso pensar na vida. Quem bota pra pensar na vida, geralmente pensa na morte. Melhor ser um gato, um peixe, um passarinho.
Sosígenes Bittencourt