NO TEMPO DE EU MENINO

(O primeiro suicídio)

Um dia, eu era menino, vi uma prostituta pegando fogo. Foi na ladeira da Zona de Baixo Meretrício, no tempo de Núbia Lafayette cantando “Lama” – música que, em desabafo, se vingava: Hoje, quem me difama, viveu na lama também. 

À noite, quando Núbia cantava, eu via a prostituta pegando fogo, a sua pele queimando, e o seu peito ondeando, sufocado. Desesperada, saíra correndo da casa, aos gritos, e caíra, no meio da rua, emudecida. Foi o meu primeiro suicídio. 

À sombra da muralha de adultos que se comprimia, eu olhava pela brecha, olhava… E, pálido, meio magro, desintoxicado, em solilóquio, indagava: Cadê Deus?
Passei uns dias sem comer direito, com a boca amarga, pelos cantos de parede, com vontade de chorar. Não podia ouvir Núbia cantar.

Mas, fui crescendo, crescendo, e fiquei sabendo que foi por causa de amor. O que é o amor? – eu me punha a perguntar. 

Um dia, já menino grande, eu comecei a me explicar. O amor não tem explicação, o amor é só amar. O amor arde, o amor queima, pode até incendiar.

Sosígenes Bittencourt

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