Dr. José Rufino Bezerra Cavalcanti – por Pedro Ferrer

Primeiro vitoriense a ocupar o Palácio do Campo das Princesas. Tomou posse no governo do Estado, exatamente no ano de 1919, o mês era dezembro. Naquele momento sua saúde já estava combalida. Mesmo enfermiço ele enfrentou com denodo os sérios problemas de instabilidade social que assolava Pernambuco. Acentue-se que ele chegou ao posto de governador através do voto direto¹. José Rufino sucedeu ao marechal Manoel Borba (1915/1919), “que deixara o poder onde fora o centro de todos os ódios.” ² Manoel Borba deixou um rastro de rancor e desarmonia na sociedade e na política pernambucanas. Pacificar o estado foi a primeira medida do novo governador que lançou o plano “Paz e Concórdia”. Com muita paciência e diálogo, conseguiu unir as três facções políticas: os rosistas, os dantistas e os borbistas3.

 A um convite de seu Zé
 ninguém resiste ou discorda;
 e, no fim desse banzé,
 a paz foi feita “com corda”4

 Algo curioso e estranho aconteceu nas eleições de 1919, quando os pernambucanos foram convocados para escolher o novo governador. Uma série de aborrecimentos e vexames atingiram a população vitoriense. Esse fato merece ser tratado com um pouco mais de detalhes. Próximo à eleição, o prefeito da Vitória, na época, coronel Antônio de Melo Verçosa, que era seu velho amigo, resolveu inabilmente apoiar um dos candidatos da oposição, o Barão de Suassuna. Dr. José Rufino venceu a eleição em todos os municípios pernambucanos, perdendo apenas em sua terra natal e em Escada.  Essa imprudência ou talvez inexperiência, do coronel Antônio de Melo Verçosa, bateu forte nos sentimentos do dr. José Rufino, deixando-o triste e revoltado. O nefasto resultado das urnas na Vitória provocou-lhe a ira e o deixou transtornado a ponto de abandonar sua terra natal ao destempero de seus seguidores. O coronel Antônio de Melo Verçosa ficou sem apoio e sem condição de administrar o município. Eram dois galos de boa rinha que não cediam. O inditoso ano de 1920 decorreu em um clima de insegurança e desordem, na República das Tabocas. Tumultos, agressões, perseguições faziam o dia a dia dos vitorienses. Como sempre acontece nesses casos, prevaleceu a lei do mais forte. Pressionado e sem condições de bem administrar a cidade, Melo Verçosa, aconselhado por amigos e correligionários, renunciou.

Se o prefeito foi inepto ao apoiar o Barão de Suassuna, muito mais o foi, nosso governador, ao dar as costas para seu torrão natal. Falhou em sua missão de líder e condutor político maior do estado prejudicando a população indefesa. Ele que havia proposto a “Paz e a Concórdia” não devia guardar nem alimentar ressentimentos contra Melo Verçosa. Uma questão política que se transformou em capricho pessoal coletivo e que só prejuízos trouxe à República da Cachaça. É lamentável que um político de sua estepe, empresário de grande porte e sucesso, que conseguira congregar as principais correntes políticas do Estado, tenha se prendido a quinquilharias domésticas. Uma nódoa que empana seu magnificente currículo.

Com a renúncia de Melo Verçosa, de seu vice e dos conselheiros, nova eleição foi marcada para o dia 20 de março de 1921. Para concorrer ao pleito, Dr. José Rufino indicou João Cleofas de Oliveira, um jovem engenheiro de 22 anos, que saiu como candidato único. Surgia, pela mão do dr. José Rufino, uma nova liderança na arena política vitoriense. O empresário, João de Albuquerque Álvares, amigo e partidário do dr. João Cleofas, confidenciou-nos que seu amigo lhe havia narrado uma conversa ocorrida entre ele e o governador. Na ocasião o dr. José Rufino afirmara: meu jovem, vá em frente, você tem tudo para ser um grande político.

O rico empresário e poderoso político nasceu no engenho Serra, no dia 16 de agosto de 1865. Seus pais, José Rufino Bezerra Cavalcanti e  Maria Januária de Barros Lima zelaram pelos seus estudos desde a mais tenra idade.  Estudou o primário na Vitória, seguindo logo após para o Recife onde cursou humanidade. Aos 21 anos diplomou-se em direito pela Faculdade de Direito do Recife.

Surgiu para a política em 1890 quando foi nomeado presidente da Primeira Intendência na cidade da Vitória5. Ao tomar posse o jovem doutor José Rufino alertava seus pares “que só tinha por égide o bem público e um vasto programa de economias”. A partir d’aí sua carreira política foi pontilhada de sucessos: deputado estadual e federal em diversas legislaturas, senador, ministro da Indústria e Comércio e ministro da Agricultura no governo do presidente Wenceslau Brás. No pleito de 1919 bateu dois adversários, o Barão de Suassuna e Dantas Barreto, na disputa para o governo do estado de Pernambuco.

Eleito governador, desenvolveu, de acordo com seus biógrafos, uma política de paz no Estado, tentando conciliar e aproximar as classes produtoras e os comerciantes. Outro destaque do seu governo foi o empenho em prol do equilíbrio orçamentário. Em parceria com o prefeito do Recife, inovou, criando um sistema de capacitação de recursos através do qual a população emprestava ao governo e recebia em parcelas, com juros. Com esses recursos eles calçaram ruas, abriram avenidas, reformularam praças, fizeram obras de saneamento etc.

Em maio de 1921 sua precária saúde o obrigou a embarcar para Europa em busca de tratamento. Seu afastamento do governo, sempre, pelo mesmo motivo, ocorreu outras vezes. A imprensa opositora prognosticava constantemente sua renúncia, o que não aconteceu. Sua frágil saúde era motivo constante de preocupação para seus correligionários, visto que os primeiros frutos de sua administração começavam a surgir.

Seu combalido estado de saúde foi se agravando. Afastado do governo, morreu no dia 27 de março de 1922, de ataque cardíaco, com 57 anos de idade, em seu palacete no bairro do Tejipió, sem ter concluído as démarches, já iniciadas, para escolha do seu sucessor. Em vida foi casado com Hercília Pereira de Araújo com quem teve onze filhos, um deles, José Bezerra Filho, também vitoriense, foi prefeito do Cabo e deputado estadual.

Se sua vida política foi um sucesso, a profissional não ficou por menos. Na vida acadêmica obteve dois diplomas: engenheiro agrônomo e advogado. Como engenheiro atuou na Estrada de Ferro Central e na Estrada de Ferro do Sul. Mas como não poderia ser diferente, foi na indústria açucareira, seguindo a tradição familiar, que ele se destacou. De rendeiro do engenho Trapiche no Cabo tornou-se um grande usineiro transformando-o em uma usina, Usina José Rufino, em homenagem ao avô e ao pai. José Bezerra foi o principal acionista da Companhia de Melhoramentos de Pernambuco tendo construído uma estrada de ferro ligando a usina Cucau à cidade de Barreiros6. Seu vasto patrimônio incluía os engenhos Barbalho, Malinote, Malakof, Mataripe, Novo, Pirapama, São João, São Pedro e Santo Inácio.

Notas:
1 – A eleição foi disputada por três candidatos: José Rufino, Henrique Marques de Holanda Cavalcanti, o Barão de Suassuna e o marechal Emídio Dantas Barreto. Em todo o Estado Dantas Barreto obteve apenas 7.000 votos, contra os 25.000 dados a José Rufino.
2- Gayoso, Armando – A verdadeira verdade – Livraria Universal, Recife, 1925, página 17.
Armando Gayoso: ex-oficial de Gabinete do governador José Rufino e ex-vice presidente da Câmara dos Deputados (1919-1922).
3- Havia três grandes líderes políticos no Estado: Rosa e Silva, Dantas Barreto e Manoel Borba.
4- Lemos Filho – Clã do Açúcar (Recife 1911/1934) – Livraria São José, Rio de Janeiro, 1960, página. O autor da quadra faz o trocadilho de “concórdia com corda”.
5- Com o advento da República as Câmaras Municipais de Vereadores foram substituídas pelos Conselhos de Intendência, constituídos por três membros.
6- A Companhia de Melhoramentos de Pernambuco tinha por centro a Usina Cucau, edificada no município de Rio Formoso. Muitas figuras ilustres, tais como os governadores José Rufino e Manoel Borba, dela, faziam parte como acionistas.

Observação: recentemente foi sugerido por um leitor deste blog a mudança do nome da rua dr. José Rufino (Cajá) para Avenida Monte (ou Batalha) das Tabocas. Creio que o nome de dr. José Rufino, pelo que ele representou na política e na história vitorienses, não deveria ser retirado. Poder-se-ia usar os dois nomes: dr. José Rufino permaneceria e iria até a ponte que antecede o templo católico e a feira. A partir da ponte seria avenida Monte ou Batalha das Tabocas. Fica a sugestão. 

Pedro Ferrer

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