Como eu posso sentir nostalgia (saudades) de algo que eu não tenho idade para ter vivido? Essa pergunta ficou ecoando na minha cabeça, desde o momento em que eu coloquei o pé dentro da sede do Clube Abanadores O Leão, onde aconteceu a 4° Festa da Saudade, e eu acredito que Saudade é o nome mais apropriado para tudo aquilo que aconteceu dentro daquele lugar, naquela agradável noite de sábado (24), onde o objetivo final daquele evento foi, acima de tudo, o reencontro, com amigos e principalmente com as memórias.
Quando vamos à uma festa como essa, na verdade estamos adentrando numa espécie de máquina do tempo, nos olhos daquelas pessoas que estavam chegando ao Leão, estavam estampados os grandes bailes do passado, que aconteciam na Gamela de Ouro, na Toca do Coqueiro, no Clube dos Motoristas, onde não tinha problema nenhum se precisasse voltar para casa altas horas da madrugada, caminhando pelas ruas da cidade de mãos dadas com a “paquera” que tinha conhecido naquela noite.
Eu tenho essas memórias, baseadas em histórias contadas por meu pai, por minha minha mãe e que ali naquela noite, estavam sendo materializadas diante dos meus olhos, o clima ajudou bastante, o local também, imaginei quantos e quantos bailes aconteceram naquele espaço na década de sessenta e setenta, bailes estes regados a Renato e seus Blue Caps e The Fevers, imagino My Mistake dos Pholhas tocando no sistema de som, com vários Fuscas estacionados do lado de fora esperando a hora de levar o “broto” pra casa.
Ao entrar na festa já fui recebido por Have You Ever Seen The Rain, de Creedence Clearwater Revival, sendo interpretada pela nostálgica Made in Recife, banda que veio da
capital Pernambucana, para abrir os trabalhos naquela noite. Com um repertório calibrado, a banda tocou vários sucessos nacionais e internacionais das décadas de 70 e 80, eles já são velhos conhecidos do público Vitoriense, faziam apresentações mais intimistas na saudosa Varanda do Tadeu, mas na Festa da Saudade, mostraram toda a pompa de uma banda que já faz parte história da cidade apesar de não serem daqui como o próprio nome do grupo sugere.
Logo após o ótimo show de abertura, veio a grande atração da noite, a Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos, ou Orquestra Super OARA, liderada por Elaque Amaral e fundada em 1958 pelo pai, “seu” Beto. O grupo de Arcoverde é a segunda banda de baile mais antiga em atividade no Brasil, perdendo apenas para a Filarmônica Tabajara do Rio de Janeiro, e toda essa história e experiência são refletidas no palco, o início do show é um acontecimento a parte, o naipe de metais dando força ao arranjo da música, a percussão dando a cadência, e o piano de Elaque completando a harmonia. Mesmo no início do show, ao som dos primeiros acordes, o salão já ficou cheio, num set afiadíssimo de boleros que iniciou os trabalhos da noite, assim a máquina do tempo da Festa da Saudade trabalhou na sua potência máxima e se manteve assim durante toda a noite, embalando casais das mais diversas idades que rodopiavam o salão, inebriados pela força da nostalgia de cada canção executada.
Cristiano Pilako mais uma vez cumpre o seu papel de um resgate histórico de outros tempos que cada vez ficam mais distantes, mas enquanto houver pessoas apaixonadas pelo passado, e que tem o prazer de ouvir a boa música, a chama da Festa da Saudade se manterá acesa, e o sucesso desse grande baile, cada vez mais agigantado, ano após ano, apenas comprova isso.
Raphael Oliveira