Cuidado, tem spoiler.
Estreou o filme Bacurau, de Kleber Mendonça, aqui em Vitória. Para quem está acostumado a ver filmes nacionais, Bacurau é bem diferente: ele mescla cenas de faroeste, do cangaço, de humor, de romance, de ação e até de horror.
O filme se passa num futuro distópico, na cidade sertaneja de Bacurau. Uma cidade imaginária que nem existe no mapa.
Ali um esquadrão de assassinos resolve jogar um jogo sinistro: assassinar, sadicamente, os moradores da cidade. Mas mal sabem eles que aquela gente descende do cangaço, acostumada com as intempéries da vida, com a morte e com a violência. Quer dizer, a vida pacata e moderada dos habitantes daquele lugar esconde a violência brutal de que são capazes, quando se sentem ameaçados. O contraste entre um homem simples e sossegado, porém potencialmente violento, está presente na literatura de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.
Kleber Mendonça não economiza nas cenas de horror. Cenas às vezes tão bizarras que o público é capaz de rir. É o caso, por exemplo, do personagem Lunga: uma mistura sangrenta de rambo com Bruce Lee.
O filme tem uma camada mais densa: a invasão dos produtos importados, da tecnologia, na vida do sertanejo. Ali, nesse futuro distópico, convivem paredões de som com cavalos, drones com roupas da sulanca, tablets e Internet com a terra seca do sertão. Mas apesar da invasão desses produtos importados, apesar de toda essa informação globalizada, a vida daqueles sertanejos não se transforma na vida insossa e insensível das grandes metrópoles. Ao contrário, o coração de Bacurau ainda pulsa. Tudo se passa como se o sertão, ameaçado de virar mar, faz o oposto: devora o mar e mostra ao mundo que o mar é que deve temer o sertão.
No filme tem muito mais. Difícil contar todos detalhes. Mas a cena mais emblemática, que atraiu muitos risos, mas que carrega uma mensagem importante, é a cena em que uma das assassinas pergunta a um menino: “quem nasce em Bacurau é o quê?”. Ao que o menino responde: “gente”. Assistam Bacurau.
André Carvalho