Atendendo a Fabianna Freire Pepeu, respondi fraternalmente, no Facebook, a uma indagação em comentário ao post dela. Como acho que conceitos errados não conduzem a resultados certos, resolvi transformar o comentário em artigo. Com o objetivo de ampliar a possibilidade do debate e da reflexão. No pórtico deste texto, coloco o dístico que Marx adaptou da frase que Dante escreveu na porta do inferno: “Vós que entrais, deixai aqui todos os preconceitos.” Vamos ao caso.
Para alguém ser de fato e de direito preso político é preciso um requisito essencial. Estar detido previamente ou condenado em decorrência da defesa de ideias ou prática de ações de oposição ou de combate a um estado autoritário. Um Estado ilegítimo. Uma ditadura. Que, convenhamos, não existe no Brasil desde 1985. Logo, ninguém cumpre o requisito preliminar. O que já seria o bastante para se afirmar que não existe no Brasil qualquer preso político atualmente.
Ainda mais claro se a ele não tiver sido aplicada uma legislação excepcional, diferente da que se utiliza no julgamento de ações semelhantes praticadas fora do contexto da política. Não houve este caso, desde a redemocratização. A lei é uma só, para todos os civis.
Segundo motivo que desautoriza a utilização do termo. A ditadura, por exemplo, tinha uma legislação civil para crimes “normais” e aplicava o Código Penal Militar para civis acusados de crimes com motivação “política”. Que eram julgados por tribunais de exceção, formados por oficiais. Inclusive os jurados, que condenavam ou absolviam os acusados, eram militares. Também para práticas iguais, as penas eram diferentes nos julgamentos “políticos”.
O regime chegou a reformar o Código para incluir penas mais severas, até prisão perpétua (muitas pessoas conhecidas foram atingidos por ela) e pena de morte (aplicada a uma pessoa publica conhecida por muitos leitores. Mas felizmente nunca executada. A sentença, comutada, caiu com a Anistia). A pessoa presa e julgada com base em Lei de Segurança específica, aplicada por um Estado Autoritário era e é preso político. Sem aspas.
Outra coisa muito diferente é a pessoa ser julgada por crimes cometidos no exercício de funções públicas na vigência do estado democrático de direito. De acordo com as leis em vigor para todos os cidadãos. Como foi e está sendo o caso de todos os réus neste País.
Agora, pondere-se: a justiça pode ter falhado. Provas podem ter sido forjadas, suprimidas, alteradas. Testemunhos e principalmente delações ditas premiadas podem conter falsidades ou insinuações sem provas. (algumas têm esse perfil, pelo menos em parte, de modo até escandaloso). Provas podem ter sido colhidas irregularmente. O julgador pode ter se equivocado (vemos isso todo dia). Ou não ter sido isento, colocando suas convicções acima da lei.
Existem infinitas possibilidades de sentenças distorcidas e injustas no Estado Democrático de Direito. Sem excluir a possibilidade da atuação de agentes do Estado, nas investigações, inquéritos e processos, ser pautada por motivação pessoal, financeira, política, partidária ou ideológica. O erro pontual dos agentes envolvidos, independente do seu tamanho ou natureza, contamina os processos, não as instituições.
Réus de vida pública ou privada, ricos ou pobres, pretos ou brancos, sendo vítimas de qualquer desses desvios, tornam-se injustiçados. Existem milhares deles nos presídios brasileiros.
Injustiça dói, mas não transforma ninguém em preso político. No máximo, em político preso injustamente.
Todo injustiçado merece reparo. Existem mecanismos legais para isso. E toda luta para reparar injustiças, vale a pena.
*Publicitário, historiador e membro da Academia Pernambucana de Letras