Tenho acompanhado, desde o início da profícua trajetória intelectual de Bartyra Soares, que remonta a vários anos, a autora como poeta e ensaísta, tudo aquilo que mede o pulso da sua produção no campo da Poesia sensível com o mundo, a encenação do seu enigmático universo interior, as suas pretensões bem resolvidas no difícil território da ensaística. Venho há muito percebendo, leitor atento do que ela produz, que, no plano das vertentes de linguagem de criação, até quando ela se expressa na convivência dos amigos mais próximos, há uma constante, inevitável, do uso das cores e da luz, os valores sintáticos e flexões na superfície ou não de sua fala, como definitórios inconscientes no corpus da sua obra. Cores e luminosidades soam familiares em Bartyra Soares, quando ela está às voltas com as metáforas, suas múltiplas aparências. Se o rosto humano é o espelho da alma, a luz e as cores são os lugares mais íntimos dessa autora pernambucana de Catende elogiada por nossa melhor crítica.
Encontro, talvez, uma explicação: Há, em Bartyra, na sua perda total de visão, desde os primeiros anos de sua juventude, (causa do destino e seus também algozes), o que eu chamaria de silêncio hierárquico da luz. O silêncio eu diria sob uma compreensão mística. A incapacidade de ver o sol nascer e colorir as flores do campo. Mas, não se surpreenda o leitor. Conheço autores de minha geração que não escrevem uma página sem antes submete-la à leitura dessa mulher que superou, sem nada pedir ou lamentar, a falta de um bem tão precioso. Eu sou um deles. Não pensem que este é um gesto figurado. Ela é a minha primeira leitora crítica. Jamais se trancou num casulo. Além dos seus 20 livros, quase todos premiados, foi eleita para a Academia Pernambucana de Letras, sendo uma das mais atuantes da Casa de Carneiro Vilela. Conversamos muito, quase sempre, sobre a Fotografia como arte maior. Tornei-me autor de várias capas de seus livros, um deles, o mais recente, sobre Fátima Quintas, filha do saudoso professor Amaro Quintas, e sua paixão pela luz das velas. Bartyra não acolhe facilmente as minhas propostas de capa, cobra-me enquadramentos de ângulos, detalhes de luz, sombras e cores.
Bartyra mostra-se, curiosamente, interessada no que faço com a minha câmera, pede detalhes, insiste nas aparências, na luz, nas cores da imagem, que resultados preenche, o que permanece nos ângulos das incertezas das coisas que eu vejo e fotografo. Quando me tornei finalista do prêmio Jabuti de fotografias com o livro/álbum, bilíngue, Flores Tropicais (Embrapa/Brasília, 2005), a primeira pergunta que ela me fez, foi: o que pulsa nessas fotos sem sair da superfície? Bartyra levaria naquele instante a uma deriva infinita e multifacética que afeta ao universo da Fotografia.
Há, portanto, uma imensa busca de luz e cores nessa escritora e sua seleta peregrinação na perspectiva do indizível. A mesma paixão que Breton sentia pela luz, pelas cores. Jorge Luiz Borges e sua consagração da cegueira se dizia um cego auditivo. Bartyra Soares, sem desejar ser mais sagaz e por notório desígnio e incrível força de vontade, sabe, como Zeus, se transformar em cisne e ler, no escuro, com o olho imperecível que nunca lhe será negado, o que se acha escrito nas paredes de Troia. Parabenizo os leitores deste DIÁRIO pela oportunidade do convívio, quase sempre, com os textos de notórios saberes da escritora Bartyra Soares.
Marcus Prado – jornalista.