Sou do tempo em que havia tempo de acompanhar a réstia do sol e contar estrelas. Sou do tempo em que o coral dos grilos orquestrava a sonoplastia das estrelas. Minha avó Celina botava perfume e penteava os cabelos para ouvir o jogo do Sport Club do Recife pelo rádio.
Eu queria passar o final do ano em Boa Viagem. Diz que tem muita lâmpada colorida, fogos de artifício, Jingle Bells, tanta mulher bonitinha e cheirosa que o coração fica pinotando de alegria. O mar roncando surdo e o vento assanhando o cabelo. Ficar de cara pra cima, vendo os arranha-céus. Ali mora uma família. Mas, tenho medo de assaltante. Talvez, eles queiram nos matar.
Eu estava conversando lorota. Um vendedor de picolé me apareceu.
– Chupe um picolé para me ajudar, professor.
– Eu posso até lhe ajudar, não sou obrigado a chupar coisa alguma.
A outra, foi assim:
– Professor, eu quero um dinheiro para ir pra Caruaru.
– Se eu pudesse, eu iria pra Caruaru com você. Contudo, o que é que você vai fazer em Caruaru?
Todo final de ano, a gente bota pra pensar nos mortos. Às vezes, naqueles que vão nascer. Até os que nem estão no ventre. Em verdade, ficamos pensando no vir-a-ser. Quem danado sabe o que vai acontecer? Um dia, fomos espermatozóide e óvulo. Um dia, estaremos num jazigo.
A morte é uma instituição democrática, fundada pelo tempo. Ninguém tem o direito de reclamar. Todos têm o direito de receber. Nunca mais eu fui ao cemitério. Ali, ensurdecem os que viveram, amaram e odiaram como nós, que seremos ossos, sem servir de conselho. Ontem, eu vi passar um enterro. As pessoas nunca tomam a morte como exemplo. Vivem pensando na vida.
Nesses dias, chega o Carnaval. O tempo é breve. No meu tempo, a gente pintava a cara e abria a porta para ver o caboclinho. Brincava de bisnaga. Relembrar é alongar a vida. Relembrar é abrir o livro de nossa história.
Eu nem sei a quem desejar um Próspero Ano Novo. Porém, mesmo assim, não custa nada desejar que você seja feliz, mesmo que não goste desta crônica.
Conversado abraço.
Sosígenes Bittencourt