Um honroso prêmio para o paisagismo brasileiro – por Marcus Prado.

 

Nove dias antes da data do aniversário de Roberto Burle Marx, que se comemora no dia 4 de agosto, quando o maior paisagista do século em que viveu continua sendo lembrado dentro e fora do Brasil pelo gigantismo de sua obra, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) concedeu a sua honraria máxima ao sítio criado por ele, numa área distante do centro do Rio de Janeiro, em Barra de Guaratiba, na Zona Oeste. Nessa data, o Brasil comemora também a conquista da mais cobiçada honraria no plano da cultura e do patrimônio histórico construído, o título de Patrimônio Mundial da Humanidade, o sítio que representa o maior e ambicionado sonho do genial jardineiro-poeta, que abriga uma coleção com mais de 3.500 espécies de plantas tropicais e subtropicais.

O prêmio é o justo reconhecimento de que a intenção do sítio tem sido, desde o começo, preservar experiências, criar uma escola de paisagismo, botânica e artes em geral, e transmitir o seu principal legado: saber fazer jardins. Deve causar surpresa o fato de um jovem com tanta vocação para o canto lírico, herança de sua mãe, se tornasse o maior paisagista entre os seus contemporâneos. Há coisas na vida que a gente não consegue explicar, tal desvio repentino de vocação. Um começo  inesperado quando ele, ainda jovem, foi levado por seu pai a conhecer o Jardim Botânico de Berlim, o famoso Botanischer Garten und Botanisches Museum Berlin-Dahlem, um dos maiores e mais importantes da Europa, a que tive a oportunidade de visitar em duas ocasiões, quando crescia o meu interesse pela vida e a obra do filho de Cecília Burle, uma  pernambucana infelizmente esquecida, que muito contribuiu no seu tempo para grandes recitais de piano no Teatro de Santa Isabel. No século 20, o grande marco do paisagismo brasileiro foi devido ao trabalho de Roberto Burle Marx.

Em 1934, registra-se o início do trabalho de Burle Marx no Recife, onde projetou e executou os primeiros jardins públicos com plantas nativas da caatinga e da flora amazônica, algumas vistas por ele, a primeira vez, no Jardim Botânico de Berlim.  No Recife, a utilização de plantas nativas nas composições paisagísticas formou um registro na linha projetual de Burle Marx. Muito já foi dito por seus biógrafos, dentro e fora do Brasil, sobre o pioneirismo desse “poeta dos Jardins”, já se conhece o seu trabalho, descobridor, criativo e corajoso no Recife, marco inicial da sua carreira de paisagista mundialmente reconhecido como inventor de um novo tempo na construção de jardins públicos ou privados.

Pouco se conhece, no entanto, sobre ele e seus múltiplos: poliglota, sabia se expressar fluentemente em 8 idiomas, cantor lírico, pintor, ceramista, desenhista, designer de joias (foi o primeiro a desenhar joias exclusivas para H. Stern), escultor, autor de numerosos cenários para o Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Sem falar de amante da gastronomia, ele que recebia sempre aos sábados dezenas de convidados famosos e gente simples, para almoço, no sitio-galeria em Santo Antônio da Bica, quando não estava nas suas excursões de pesquisa, ele próprio dirigindo um caminhão coletor de plantas. Almoços (era famosa a sua cozinha feita só de pedras)  que ficaram na lembrança dos amigos, com a presença de Le Corbusier nas duas visitas que fez ao Brasil, Haruyoshi Ono, discípulo e seu herdeiro artístico, Pietro Maria Bardi, Lina Bo Bardi, Alberto da Veiga Guignard, Alberto Cavalcanti, Lucio Cardoso, Candido Portinari, Gorlich editor italiano de Milano, Acácio Gil Borsoi e Janete Costa (eram como irmãos de Roberto), Lúcio Costa, Gregory Warchavchic, Ary Garcia Rosa, Jacques Lenhardt, José Tabakov, Oscar Niemeyer (foram parceiros em numerosos projetos, em Brasília e no Rio de Janeiro), Alfredo Volpi, Vinicius de Moraes, a cantora Mercedes Sosa, quando vinha ao Brasil.

Nesses habituais momentos, a cozinha virava a sala de visitas. Cada almoço parecia uma festa, que tinha hora de começar, mas poderia durar o resto do dia ao som de óperas que ele sabia de cor. Por fim, a história que merecia um filme, a paixão que despertou na sua jovem professora de língua alemã, em Berlim, e como ele foi expulso do Recife com a fama de comunista, porque tinha o sobrenome de Marx … e plantava flores vermelhas nos jardins públicos. Prometo contar.

Artigo publicado hoje – Diário de Pernambuco. 

Marcus Prado – Jornalista. 

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