“Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”- por @historia_em_retalhos.

Em 1989, a Beija-Flor realizava aquele que é considerado o desfile mais ousado e impactante da história do carnaval carioca.

Até hoje, esse desfile é citado e estudado.

Impressionantemente, o carnavalesco Joãosinho Trinta desnudou para o mundo o contraste entre o luxo das elites brasileiras e a pobreza daqueles que vivem no meio do lixo, em um dos países mais desiguais do planeta.

Logo na abertura, o carro abre-alas traria um Cristo Redentor em meio aos mendigos e vestido como eles.

Porém, a Arquidiocese do RJ conseguiu uma ordem judicial para proibir a apresentação da alegoria.

Joãosinho não se deu por vencido e cobriu o Cristo com um plástico preto, acrescentando a frase “Mesmo proibido, olhai por nós!”.

A polêmica gerada em torno da censura acabou dando à alegoria um impacto ainda maior.

“Atenção mendigos, desocupados, pivetes (…) esfomeados e povo da rua… Tirem dos lixos deste imenso país restos de luxo e façam a sua fantasia (…)”.

Com esses dizeres, a escola convidava para a grande confraternização: o luxo seria retirado do lixo!

Um detalhe de muita simbologia: os diretores da escola usavam uniformes iguais aos dos profissionais da limpeza.

O resultado disso foi que os garis que vinham atrás do desfile, limpando a avenida, sentiram-se contagiados, visibilizados e parte integrante da festa!

Ao fim, Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinense (que exaltou a proclamação da República) terminaram empatadas, com 210 pontos.

Por um capricho do destino, o desempate ocorreu em uma nota originariamente descartada, no quesito samba-enredo, e a Beija-Flor amargou o segundo lugar.

Anos depois, o jurado Cláudio Cunha, que tirou um ponto da Beija-Flor no quesito evolução, disse que havia se arrependido de não ter dado a nota 10 que faria a escola de Nilópolis campeã.

Mesmo não levantando a taça, porém, o desfile emblemático entrou para a história.

Jamais uma escola de samba realizou uma crítica social tão profunda, expondo às vísceras os contrastes de um país desigual, em que a extrema pobreza e a extrema riqueza convivem dentro de uma permanente tensão.
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