OS PROFESSORES Ormindo Pires Filho e Luzilá Gonçalves Ferreira, do Curso de Doutorado em Letras da UFPE, meus queridos amigos, deram-me a grata incumbência de pronunciar palestra de saudação a Rachel de Queiroz no I Congresso de Literatura Nordestina que eles coordenaram com notável êxito. Eu estava na Inglaterra quando recebi a comunicação e Rachel de Queiroz curtia breves férias no inverno frio de Jersey, a maior das ilhas do Canal da Mancha, a 160 km de onde eu estava, ao sul da costa inglesa, e somente a 19 km da costa norte da França. Não deu outra: consegui às pressas um lugar numa aeronave da Aurigny air Services (Aurigny é ao antigo nome francês da ilha de Alderney, sendo possivelmente menor território do mundo a se gabar de sua própria linha aérea “nacional”) e fui ao encontro de Rachel. (Se eu já tinha vontade de conhecer a ilha Jersey, miragem que me aparecia toda vez que eu atravessava o Canal da Mancha, eis que surgia uma oportunidade singular. Para o meu trabalho, era de extrema necessidade uma conversa com Rachel.). Foi um barato! Ao chegar na ilha francesa, a primeira coisa que fiz foi procurar a escritora que o Brasil inteiro ama e admira, de quem me tornei fiel leitor.
O GERENTE DO HOTEL , seguindo minhas instruções, ligou para o apartamento de Rachel, e disse: “Um amigo do “Cabo Iolando” está aqui, para avistar-se com a Senhora”. Rachel desceu com estranha alegria para receber o visitante inesperado. Agora é que vou contar porque a autora de “O Quinze” entrou nesta história de andar e ver.
FALAR DO “CABO IOLANDO” a Rachel de Queiroz era falar da Vitória de Santo Antão, que ela nunca conhecera, e das lembranças que ela guardava de um dos seus mais queridos amigos , o vitoriense Nestor de Holanda, sobrinho de Maria Belkiss, primo de Manuel de Holanda e José Aragão, e pelas afinidades sanguíneas, dos Holandas que nasceram na Vitória, os Holandas do lado de Manuel e os Holandas da casa de José Bonifácio. Escritor e jornalista famoso no Rio de Janeiro, onde viveu a vida inteira depois que deixou a Vitória e o Recife, sem esquecer jamais a sua terra natal, fonte de inspiração de vários livros, numerosas crônicas, romances e até peças de Teatro, Nestor era tratado por Rachel com o apelido de “Cabo Iolando”. Como veio esse apelido? Ele ficou conhecido assim, no quartel do exército e na sua autobiografia romanceada que atraia o interesse de Rachel. Acertados os detalhes do Congresso literário pernambucano, em que a romancista e “imortal” da ABL seria a grande homenageada, eis que a Vitória dos livros e crônicas de Nestor passaria a ser assunto dominante.
“E AS PITOMBAS, que Nestor chupava no pátio da feira, toda vez que voltava à cidade das suas emoções infantis, ainda são vendidas no lugar? E a casa onde ele nasceu, ainda existe? E os velhos sobrados da Rua da Baixinha, ainda estão com suas paredes em pé? E o rio Tapacurá, ainda inunda as plantações de hortaliças? E a pirâmide do Pátio da Matriz continua marcando a passagem do século? Que foi feito do sobrado da tia Martha de Holanda?
NUMA DAS RUAS da ilha Jersey, descubro, para minha surpresa e alegria, uma loja de objetos antigos com o nome de “Victoria” e , se não bastasse, vejo dentro dela um rádio tipo “olho mágico”, da marca RCA Victor, que me fez lembrar, de imediato, outros rádios desse mesmo tipo que eu via, no meu tempo de menino, nas casas amigas de Eurico Valois, de Fenelon, de Josué, marido de Dona Mocinha; do professor Aragão, de Zé Palito e Pedro Varela; de Lina Costa e Aníbal Celestino, de Serafim Moura. Para aumentar a saudade, parece que eu vi, naquela loja, o rádio que meu pai havia comprado na “Casa Rios”, e que seria levado para conserto, anos depois, na oficina de Ademar Miranda. Ainda ouço, quando ando sozinho, nas madrugadas vitorienses, o som desses rádios que só traziam notícias boas.
Marcus Prado – jornalista.