Uma recente edição do Jornal da Universidade de São Paulo, criado pelo pernambucano do Recife, o professor e crítico literário João Alexandre Barbosa, quando diretor da editora da USP, nos traz a notícia da pesquisa de Mariana Ananias (Doutorado em Literatura Brasileira, em desenvolvimento na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH/ USP), sobre o pioneirismo de Chica Barbosa, a repentista negra do sertão.
A forma de expressão do repente de viola (improviso e “duelo”) adquiriu seguidores, fama, ganhou respeito, notoriedade. São alguns desses estilos: sextilhas – um dos gêneros mais preferidos e usados pelos cantadores. São estrofes de seis versos (pés ou linhas) em que cada verso tem sete sílabas e as rimas ocorrem entre as linhas pares; martelo agalopado – ritmo mais acelerado.
Sabe-se que, na França, há universidades que possuem cátedras de estudo acerca desse rico universo da literatura oral, assim como há um grande interesse e tradição, em Portugal, pela Literatura de Cordel. É natural que as universidades brasileiras, na sua tríplice função de ensino, pesquisa e extensão, já preocupadas com a inteligência artificial (IA), coloquem em programas de pesquisa a literatura oral.
Lembro a recente tese de doutorado do professor Josivaldo Custódio da Silva, “Pérolas da cantoria de repente em São José do Egito, Vale do Pajeú”. Importante destacar a conquista da literatura oral, dos cordéis e cantorias, com o reconhecimento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), concedendo a esses gêneros o status de Patrimônio Cultural do Brasil.
Tenho ouvido muitos elogios ao grupo mulheres de repente, as glosadoras Erivoneide Amaral (Afogados da Ingazeira), Elenilda Amaral (Afogados da Ingazeira), Dayane Rocha (Tabira), Milene Augusto (Solidão), Francisca Araújo (Iguaracy), Thaynnara Queiróz (Carnaíba). Agora, Mariana partiu para a pesquisa sobre Maria Pangula, um ícone da cultura oral brasileira e considerada a rainha do repente, “primeira mulher repentista a se estabelecer na profissão no sertão oitocentista”. (…) “Sem nunca ter passado pela educação formal, ela aprendeu as cantorias e seguiu cantando e tocando até à velhice”. Essa postura da mulher que tem que chegar com muita garra para se impor naquele meio e ser respeitada.
Dentre as belezas de uma cultura oral que não se perdeu no tempo, um registro dos versos de Maria Pangula ainda ecoa no imaginário popular: “Sou Maria Pangula/ Nunca frequentei a escola/ O que a vida me ensinou/Trago tudo na cachola/O que você faz com a caneta/Eu também faço com a viola”.
Onde tiver cantador, violeiro, repentista, cada um com o seu estilo e sua forma de expressão, é ambiente acolhedor para soltar as rimas da imaginação. Antigamente, era na feira livre do Pátio de São José, (Recife) em duplas, hoje serão vistos no Alto da Sé (Olinda), no entorno do Observatório Astronômico, o mais belo belvedere da cidade, no Porto do Recife, quando chega navio de turistas, ou nas feiras livres das cidades do sertão.
Ficaria na memória de uma geração inteira, no Recife, a dupla Curió e Galo Preto. O Galo, Patrimônio Vivo do Estado, e Mocinha de Passira, também Patrimônio Vivo, com mais de meio século de estrada a desafiar qualquer repentista do pedaço. Em um mundo que se transforma em velocidade vertiginosa, as “pelejas” de cantadores continuam.
Marcus Prado – jornalista