Num percurso iniciado em Olinda até à cidade baiana de Lençóis, eu e meu genro, médico Ricardo Lyra, ao longo de 1.154 km. (Chapada Diamantina, tão sugestiva para trilhas fotográficas), era época de propaganda eleitoral, eu via grandes cartazes, adesivos plásticos em janelas residenciais, automóveis enfeitados com a esfinge de candidatos, quase todos esbugalhando um sorriso além do corpo.
Deram-me a impressão de que dentro daqueles engatilhados sorrisos havia uma promessa de aliança incondicional com a população, suas aspirações; que aqueles tantos sorrisos à beira da estrada poderiam influenciar eleitores, impactar a campanha.
Percebi, no entanto, que os olhos retratados não tinham brilho, sem fulgores, frios como lâmina de punhal, dissimulados. Olhavam-nos na impotência de comunicar o que não têm nada para dizer. A dissimulação é uma característica central na vida, segundo Mikhail Naumovich Epstein, um estudioso literário e ensaísta russo-americano que é o professor de teoria cultural e literatura russa na Universidade Emory, Atlanta, Estados Unidos. Para ele, as pessoas costumam dissimular em cerca de 25% das suas interações diárias. Hamlet, o Príncipe da Dinamarca, obra dramática shakespereana mais adaptada e encenada nos palcos de todo o mundo, talvez seja o personagem que mais ojeriza o mundo dos fingimentos, das aparências e dos sorrisos duvidosos. Essas sensações se combinam numa experiência complexa que passa a ser articulada e a ser específica, mesmo sem palavras. O luxuoso seriado “Sorriso Real” (também conhecido por “King The Land”), uma aposta de comédia romântica sul-coreana, melosa, mas cativante, produzida pela Netflix, narra a história de um homem rico, elegante, jovem e amargo que disputa uma herança na família, e sua persistência em odiar o sorriso de qualquer pessoa por perto. A “Cantora Careca”, considerada a obra mais conhecida do dramaturgo Ionesco, escrita em 1948, é uma crítica ácida aos fingimentos. Não esqueço os versos da poetisa e heroína russa sobre a qual já escrevi neste Jornal: Anna Akhmátova: “(…) e a ti também eu bebo/aos sorrisos que me mentiram”.
O psicólogo britânico Richard Wiseman, Professor de Entendimento Público da Psicologia na Universidade de Hertfordshire (Reino Unido), graduando-se em Psicologia na University College London, teve a iniciativa de realizar uma longa pesquisa entre eleitores, que pudesse diferenciar o sorriso verdadeiro e o falso dos candidatos.
Esses tantos sorrisos podem simbolizar uma promessa de esperança, o compromisso de redimir a febre coletiva de descrença, falta de confiança nas instituições públicas, que assola a Nação inteira. Lembrei-me da canção Mona Lisa, originalmente interpretada por Nat King Cole, que foi gravada por Seal para o filme de mesmo nome. Julia Roberts, atriz principal, recebeu um recorde de $25 milhões por sua atuação, o maior já ganho por uma atriz na época. Ao ser premiada, quis imitar o sorriso da Gioconda. Quando vi a Mona Lisa, tive vontade de ficar escondido na sala do Museu, até sair o último visitante. Só para ver a sua gargalhada, que já não aguentava mais, diante de tantos olhares dirigidos a ela.
Marcus Prado – jornalista