As conversas dos outros e o experimento social.
Vou começar confessando logo: tenho o terrível vício de querer ouvir as conversas dos outros. Adquiri essa curiosidade mórbida frequentando lugares onde se bebe, sem ser bebedor. Melhor explicando: embora o efeito da bebida alcoólica não me caia bem, o que me fez desistir de ser um boêmio – passo uma noite inteira com duas ou três doses de whisky bem diluído em água – eu simplesmente adoro frequentar os ambientes onde se consome a “água que o passarinho não bebe”, quais sejam, os bares, os eventos musicais e toda sorte de comemorações.
Nesses lugares, os que bebem se divertem bebendo, e tendo, uns com os outros, conversas de bêbado, aquelas que permeiam o vasto campo compreendido entre ‘parto de raposa’ e ‘atracamento de navio’, isso sem contar as confissões, os desastrosos e desnecessários sincericídios, as mentiras e as megalomanias.
Mas a minha praia é outra; eu gosto de ouvir, interpretar e me divertir com essas conversas, principalmente havidas entre pessoas que não conheço. Funciona mais ou menos assim: fingindo participar da minha roda, fico sorrindo e balançando a cabeça como quem concorda com tudo o que ali se diz, enquanto minha mente e ouvidos estão concentrados em conversas paralelas, onde se está debatendo os mais variados assuntos, sendo mais corriqueiros os singelos bate-papos sobre fatos engraçados, as fofocas bestas e aquelas indefectíveis mentiras, onde homens contam vantagens sobre, por exemplo, seu desempenho sexual. Mas também já cheguei a ouvir conversas intrigantes como a combinação para prática de um crime, revelação de um segredo irrevelável e até confissões acerca preferências sexuais bizarras e nojentas.
Mas foi aqui em Vitória de Santo Antão que ouvimos eu e Lari – minha mulher, a quem, como um traficante malvado, incuti o mesmo vício –, uma tese debatida numa roda de bêbados, na qual se afirmara com toda convicção, que o povo dessa terra era em sua maioria desonesto. Os bêbados defendiam tal absurdo com exemplos burros, generalizando atitudes de um e de outro, que na cabeça deles, serviam para comprovar tal disparate,
Intrigados, chegamos a abordar tal assunto com outras pessoas, e chegamos a ouvir quem confirmasse tal característica, o que sempre rechaçamos com a veemência de uma mãe que defende um filho de uma acusação maldosa.
Vieram a calhar recentemente, duas reportagens onde se apresentavam curiosas práticas comerciais: uma quitanda na beira de uma estrada de terra, no interior do estado do Mato Grosso, onde um agricultor expunha frutas e hortaliças, indicando os respectivos preços e disponibilizava uma balança, uma calculadora e uma caixa de madeira contendo moedas e cédulas de baixo valor, para que o cliente escolhesse a mercadoria e ele mesmo pesasse, calculasse, pagasse o valor, e eventualmente recolhesse o próprio troco; e outra sobre idêntica prática, feita por comerciante de pedras semipreciosas, que ficavam expostas sobre um enorme tabuleiro, salvo engano no Rio Grande do Sul.
Em ambos os empreendimentos, era quase nula a ocorrência de furtos ou outras formas de desonestidades por parte dos clientes, o que de certa forma comprovava o que sempre defendemos: os desonestos compõem a exceção, uma ínfima minoria e não o contrário, como gostam de defender os maledicentes, acometidos da famosa síndrome do vira-lata, que é aquela estranha e nociva mania de denegrir a imagem do seu próprio povo, com a convicção de que a grama do vizinho é e sempre será mais verde que a sua.
Então tivemos a ideia de replicar as práticas desses comerciantes aqui na nossa cidade, e escolhemos a 4ª corrida da Vitória como palco do experimento. Na véspera do evento, fomos à praça do Livramento, escolher o local onde colocaríamos, pelo preço de R$ 4,00, cocos verdes, gelados e já preparados pelo nosso habilidoso caseiro para serem facilmente abertos, disponibilizaríamos canudos, um fura-coco, um caixa com moedas e cédulas pequenas para troco e um ‘QR code’ para pagamento via pix. Lá estando, avistamos o organizador do evento, o famoso jornalista e historiador Pilako, de quem nos aproximamos, nos apresentamos, e quem não só nos ouviu com toda atenção, como ficou entusiasmado com a nossa iniciativa, e com enorme simpatia e prestatividade deu suas sugestões e indicou um local para instalarmos nosso quiosque – construído horas antes do evento, por mim mesmo, utilizando madeira de descarte encontrada pelas ruas e ferramentas de hobby.
As 4:45 da manhã, do domingo 27/04, atrasados e sob os justos protestos do nosso novo amigo, a quem havíamos prometido chegar as 3, nos encontrávamos montando o quiosque, encimado por uma placa improvisada onde se lia: “a verdadeira honestidade acontece quando ninguém está olhando”, o nome da barraca, “PEGUE & PAGUE”, e outras sinalizações indicando as instruções, o valor, o QR CODE, e ainda a seguinte advertência: “sorria, você está sendo filmado pela sua consciência”.
Às 5:20, tudo montado, nos afastamos e deixamos o baile seguir. E qual o foi o resultado? Às 8:35, os 80 cocos se venderam sós. E o melhor: não só inexistiu um único caso de desonestidade, como o valor arrecadado foi superior aos R$ 320,00 que seriam resultantes dos 80 cocos a R$ 4,00 cada, o que atribuímos a eventual não recolhimento dos trocos pelos clientes.
Confirmada nossa tese com muita alegria, decidimos, eu e Lari, repetir a empreitada nos próximos eventos e escolher alguma entidade para receber o valor arrecadado, como forma de agradecimento a essa maravilhosa cidade onde acreditamos que a esmagadora maioria da população é de pessoas honestas e dignas, e onde desde 2016, sem titubear, escolhi para viver até o fim da vida.
João Vicente Neves Baptista, ou Joca, 46, é advogado com 20 anos de experiência, integrante da quarta geração de um tradicional escritório de advocacia centenário, iniciado pelo seu bisavô, sediado em Recife e atuante na área de direito empresarial. É casado há 6 anos com Larissa Arruda, 26, empresária e futura nutricionista, com quem reside no Sítio Palmeira Imperial, pequena propriedade rural na região de Terra Preta, onde o casal comercialmente cria peixes, porcos e carneiros e cultiva plantas e árvores exóticas.
Dr. Joca e Larissa,
Com gestos simples, revelaram grandeza.
No último domingo, plantaram mais que uma barraca de madeira — sem atendente, sem vigilância, apenas com uma frase forte como a raiz de um velho cajueiro:
“PEGUE & PAGUE – a verdadeira honestidade acontece quando ninguém está olhando.”
E a colheita veio doce e plena: 80 cocos, todos levados com consciência e pagos com honra.
Sem fraudes, sem desvios — apenas confiança posta à prova, e aprovada com louvor.
Vitória de Santo Antão, mais que cenário, foi escolhida com sabedoria para ser lar desse exemplo tão raro.
E ao lado de Lari, sua companheira de sonhos e ações, o senhor reafirma que a ética não precisa de holofotes, apenas de coragem.
Recebam minha admiração por essa experiência que emociona, inspira e, acima de tudo, ensina.
Deixo aqui essa passagem, para reflexão.
“Os olhos do Senhor estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons.”
Provérbios 15:3
Com respeito e apreço, amigo
Franklin Assis