A insatisfação de minha mãe por estar morando no Jardim Santo Inácio, em Vitória de Santo Antão, longe de tudo, ouvindo incessantemente canto de grilo e coachar de sapos à noite, era visível. Irritava-se, reclamava a todo instante. O Ateneu Santo Antão ficava no extremo leste da cidade. A feira afastada. O cinema Iracema numa distância danada. Queria ir ao comércio comprar lantejoulas, mas ficava na dependência da boa vontade e do tempo de meu pai. Era preciso sair dali. Não aguentava aquele retiro.
– Emídio, consiga uma casa na cidade para a gente sair daqui!- dizia quase como uma súplica.
Meu pai fazia ouvido de mercador. Gostava dali, daquela calma, daquele cheiro de mato, do ar meio campestre. A perspectiva de sair dali não me agradava em nada, também A exemplo de meu pai, adorava aquele lugar. Por que teria de sair dali? E mais, depois que meu pai comprou aquele galo-de-campina e também um canário da terra, apareciam no quintal outros canários, galos-de-campina e patativas.
Meu pai, que tinha uma paixão por passarinhos, adquirida lá em Passagem do Tó, providenciou logo a compra de um alçapão e me ensinou como fazer para pegar passarinhos. Aquilo passou a fascinar-me. Ficava agora, durante as aulas do Ateneu, com o pensamento longe. Profa. Maria Aragão ensinando o que era um substantivo e eu pensando num canário pousando na
gaiola e entrando para comer alpiste no alçapão. Poft! O alçapão se fechava e mais um pássaro perderia a liberdade e cantaria, agora, de revolta, para deleite de nossos ouvidos.
Peguei várias patativas e canários. Não consegui prender nem ao menos um galo-de-campina. Era um pássaro mais sabido e arisco; não se deixava seduzir por alpiste gratuito depositado em alçapão.
Minhas tardes passaram a ficar mais movimentadas. A espera que um novo passarinho surgisse no quintal me deixava gostosamente inquieto. Escondia-me por entre as bananeiras, juntamente com Nono, com a esperança de que pelo menos um canário despontasse.
Num certo finalzinho de tarde, apareceu, por aquelas bandas, um casal de canários lindos. O cantar de um deles tinia no espaço. O canário de meu pai respondia, como se quisesse alertá-los do perigo que corriam, ou talvez numa competição da qual pouco entendia. A minha ansiedade de capturar os dois ou pelo menos um era incontrolável. Armei o alçapão e aguardei o desfecho. A disputa de canto impressionava. O silêncio era mortal, às vezes quebrado apenas pelo urro melancólico de uma das vacas de seu Zé de Souza! Depois de uma espera nervosa, um dos canários chegou próximo da gaiola, instalando-se num galho de um pé de limão. Cessaram os cantos. O pássaro livre mirava o pássaro prisioneiro. O pássaro prisioneiro voava de um lado para o outro da gaiola, agitadamente. Nono observava calado do meu lado. Meus olhos ficavam centrados no alçapão. Falava comigo mesmo, em pensamento:
– Vai, entra no alçapão, canarinho! Entra!!!!!!
O canário livre examinava a área, percebia o alpiste à disposição. O outro preso agitava-se. De repente, o canário livre pousa sobre a gaiola, silenciosamente. Depois se desloca para a tampa do alçapão. Bastaria um pulo para dentro e adeus liberdade! Que ansiedade aquilo me gerava. Mas ele haveria de pular.
O canário prisioneiro começara novamente a se agitar. Agora,parecia querer lutar pelo território dele, aquela mísera e minúscula gaiola. Que estranho. Como entender que estivesse querendo defender sua prisão. Sei lá…
– Vai , canarinho! Pula dentro do alçapão! Vai!
A minha solicitação mental parecia estar funcionando. O canário começou a olhar mais firmemente para o interior do alçapão. A fome parecia impor-lhe uma ousadia. Parecia estar perdendo o medo do desconhecido. Pensei: vai ser agora…! Já estava me preparando para a carreira e para dar o grito da vitória, quando subitamente aparece Formosina e berra:
-Vaninho e Nono!!!!! Venham tomar uma vitamina de banana e saiam daí dessas bananeiras, pois pode ter cobra”!!!!!!
O canário deu um vôo alto e veloz, logo acompanhado pela companheira. Não perdera a liberdade. Sumiram pelo ar de maneira surpreendente. Caí no choro e não quis saber de vitamina nenhuma!
Passei uns dias amuado e com cara feia para Formosina.
( Capítulo 16 do livro Os Caminhos na Terra das Tabocas, de Lucivãnio Jatobá. Recife: Editora Elógica, 2010 )