Muito já foi escrito por especialistas brasileiros e de outros países sobre o paisagista Roberto Burle Marx (1909-1904), filho de Wilhelm Marx, judeu alemão, nascido em Stuttgart e criado em Tréveri, e de Cecília Burle Dubeux, uma recifense de Apipucos, de ascendência francesa. Agosto é o mês das celebrações de aniversário (dia 4 de agosto) desse vulto central da gênese do jardim moderno. Todos já disseram que ele foi o mais influente e respeitado paisagista do século em que viveu, que sua obra pode ser encontrada ao redor de todo o mundo, uma referência até hoje inultrapassável na condição, raríssima, de paisagista de muitos saberes e criatividade. Entretanto, poucos ampliaram estudos e pesquisas sobre o Burle Marx escultor, desenhista, tapeceiro, designer de joias, músico e ceramista.
Foi nas visitas que fiz ao sítio Santo Antônio da Bica, em Guaratiba (Rio de Janeiro), lugar de plantios, pesquisas e experimentos com espécimes vegetais, templo de arte e buscas de novas formas de criação estética, que tive a oportunidade de conhecer e fotografar, demoradamente, o que de valor inestimável o genial artista nos legou no campo da pintura. Todas as peças do acervo permanente estavam expostas diante de mim, dando-me a impressão de que havia uma ligação estilística entre a pintura e o paisagista. Crescendo o meu interesse por esse lado da estética burlermaxiana tive um encontro, que durou mais de duas horas, para mim enriquecedor, além de inesquecível, com um dos amigos mais próximos de Burle Marx: o saudoso Acácio Gil Borsoi. Para ser preciso, na torre cimeira de sua casa olindense de Nossa Senhora do Amparo..
O interesse de minha conversa com Acácio, ele já sabia, era sobre Burle Marx pintor e suas habilidades polivalentes. Acácio me falou sobre a linguagem notoriamente orgânica e evolutiva de Burle Marx, sobre a sua arte como pintor, identificada com as vanguardas artísticas. Sem esquecer o concretismo, “tão presente na sua pintura”. Sabe-se que Roberto passou uma temporada na Alemanha, levado por seus pais, a partir de 1928. Seus biógrafos, até os seus colaboradores mais próximos, faltam dizer algo mais sobre a sua grande vocação para a pintura, antes de abraçar o paisagismo. Isso se deu em Berlim, incentivado por uma bela professorinha alemã, Erna Busse, que ficaria apaixonada pelo jovem aluno brasileiro desde a primeira troca de olhar. Erna era budista e possuidora de uma inteligência rara.
Ela via no jovem Roberto a reencarnação do seu falecido noivo, morto na Guerra. A partir do primeiro encontro houve uma dedicação afetiva, da parte de Erna, de tamanha magnitude e entrega, que poderia ser tema de um grande romance ou de um filme. Juntos visitavam, quase diariamente, os teatros, os museus, as exposições de Manet, Mondriand, Monet, Renoir, Picasso, Paul Klee, Matisse, o que havia de melhor dos expressionistas, a pintura pré-cubista, os quadrados, triângulos, círculos e cubista de Cézanne, as fraturas trazidas do cubismo, a construtibilidade lírica dos seus traços, Picasso, Léger, Gris, Lhote, Braque (este, que se tornaria uma das suas paixões no campo da pintura). Numa das tardes berlinenses de muita neve que, entretanto, acontecera, foram ao ateliê de pintura de Degner Klemn. Burle Marx tornou-se aluno dele. Quando nada acontecia saíam, juntos, nas horas de ensolarada quietude, colhendo violetas nos jardins da cidade. Numa dessas visitas, Roberto Burle Marx receberia o impacto do Jardim Botânico de Dahlen. Aí, começa outra história, a mais bela e rica experimentada por um gênio do paisagismo.
Marcus Prado – jornalista