Não pretende sair desse artigo uma análise da obra marcadamente inovadora e plural de Osman Lins (1924–2024), as expectativas nela depositadas desde os primeiros livros e a sua presença na literatura de idioma português dos nossos dias. Ficará para outro momento a sua relação com autores estrangeiros, sua dimensão psicológica e metafísica, a sua participação no Suplemento Literário do Diário de Pernambuco, fase de Mauro Mota. Neste ano do seu centenário podemos dizer que a eternidade de Osman Lins está na sua literatura. Ele a usava como razão da sua existência comprometida com o social, como plenificação da sua vida.
Falarei do Osman obstinado, impetuoso e discreto que eu conheci na casa paterna, em Vitória de Santo Antão (Rua do Rosário, 40), a poucos metros do pátio da Matriz; na casa da tia Laura, casada com Antônio Figueiredo (Rua André Vidal de Negreiros, 36); na casa do professor José Aragão (Rua do Rosário, 300), de quem Osman Lins receberia os primeiros incentivos para o domínio da palavra e da criação literária. (Durante a sua trajetória intelectual, nas entrevistas sobre a sua formação de escritor, o nome do mestre vitoriense era sempre lembrado com carinho). Vultos humanos, aqui lembrados, ficariam para sempre na moldura das afetividades do escritor.
Desejo lembrar o Osman Lins do engenho Tomé nas divisas dos plantios de cana-de-açúcar de Glória do Goitá e Vitória de Santo Antão, perto do Monte das Tabocas. (Já era famoso nesse tempo o Maracatu Camelo Manso, do engenho Tomé). Não foi menino de engenho como José Lins do Rego, mas sabia da previsão e a hora do banguê, da lenha para o forno, da extração do caldo (a garapa); das fornalhas – onde o caldo de cana era fervido e purificado em tachos de cobre; a casa de purgar – onde o açúcar era branqueado. Todo esse equipamento do Tomé, um engenho de fogo-morto, é o mesmo ainda hoje: a casa-grande, o quarto de dormir, a cama de solteiro, a cadeira de balanço. (Fotografei tudo isso, além de outras cenas, sobre Osman Lins na sua terra natal, para uma exposição no MAC/Olinda/2012, com a curadoria de Célia Labanca).
Foi nesse engenho que viria motivar, anos depois, o esboço da famosa peça teatral Lisbela e o Prisioneiro. Conheci a “Lisbela” de verdade, uma bela mulher de cabelos louros, de tradicional família vitoriense do bairro de Santo Antão. Deram-lhe o apelido de “Martha Rocha”, a loura mais famosa do Brasil de sua época. A história real, antes de virar peça de teatro de grande sucesso e conquistar o público do cinema, aconteceu com a chegada, em Vitória, do circo Nerino. O belo trapezista apaixonou-se pela fã ao ponto de trocar o seu trapézio por outro feito com as malhas da paixão. Para que a história real virasse ficção, o namoro foi rejeitado com severas proibições pelos pais da moça.
Era um homem sem ressentimentos, cordial, simples, sabia como raros fazer amigos e cultivar amizades. Era possuidor de intensa fé e profundo amor pela literatura. A sua grande paixão foi a palavra, instrumento primordial da sua obra. Disse-me um dia, na varanda de sua casa, que seria capaz de passar uma semana inteira em busca da palavra almejada. O estilo na esteira do filão modernista ignora a pompa dos adjetivos e a terminologia pedante.
Estou sabendo que o deputado vitoriense Joaquim Lira solicitou uma sessão solene na Assembleia Legislativa para celebrar esse centenário.
Marcus Prado – jornalista