O dia 3 de março está chegando, data em que uma página negra da história de Pernambuco foi escrita, há exatos 80 anos, em 1945, com o tiro na cabeça de um jovem estudante da Faculdade de Direito do Recife, Demócrito de Souza Filho, quando discursava numa manifestação cívica na sacada do Diario de Pernambuco.
Ele tinha apenas 23 anos.
Sabe-se que Demócrito iniciara seu estudo na Faculdade de Direito em 1941, durante a ditadura de Getúlio Vargas. O fascismo estava em ascensão na Europa, com líderes como Benito Mussolini na Itália e Adolf Hitler na Alemanha. O governo Vargas mantinha relações diplomáticas com esse regime e chegou a elogiar Mussolini publicamente. Pense um jovem cheio de esperança e ardor cívico em busca da redemocratização do seu país, morrer tão de repente, de forma covarde, traiçoeira, brutal, dolorosa, violenta, numa época que a cidade era a capital do Nordeste, estava vivendo a efervescência de motivações para jovens, como ele, sobretudo de ideais políticos em seu tempo e espaço histórico. A bala passou pelas paredes duplas da sacada do Diario, quase raspando o peito do companheiro de campanhas pernambucanas, o escritor Gilberto Freyre. O impacto do tiro, certeiro, o fez cair no meio da redação do jornal.
O Recife inteiro ficou consternado ao saber desse crime encomendado, executado por um fanático do regime. (Policiais invadiram a redação do Diario de Pernambuco horas depois, destruindo as páginas já prontas da edição de 4 de março de 1945). Demócrito caiu como herói da Pátria, pela sua coragem de resistência contra o Estado Novo, contra as ideologias dominantes, carregadas de marginalizações históricas, quando um novo tempo brasileiro era motivação de ideais democráticos, querendo sair da escuridão de uma ditadura caracterizada pela centralização do poder e pelo autoritarismo. Com todos os meios de comunicação sob rigorosa censura. Tinha como setor fiscalizador o nefasto DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). As secretas investigações, no Recife, eram voltadas para Demócrito, temido porque tinha o poder da palavra, da liderança estudantil, da coragem, e para o Diretório Acadêmico da Faculdade, presidido por ele.
Demócrito, naquele 3 de março, saíra de sua casa vestido de branco, e deixaria nesse dia, para sempre, a sua mãe vestida de preto até a sua morte. Vestida da mesma cor ficaria a senhora Vicenta Lorca Romero, mãe dolorosa do poeta Federico Garcia Lorca (morto por uma patrulha do ditador Franco, da Espanha), praticamente reclusa, sem usar outra roupa, senão a de luto fechado, até sua morte. O escudo de aço era uma arma preciosa e emblemática como era vista na Antiguidade. (Na “Ilíada”, de Homero, o escudo que Aquiles usa em sua luta com Heitor). O escudo de Demócrito caiu sobre chão manchado de sangue. Mas ficou o seu legado no labirinto de novos caminhos neste imenso mar de esperanças.
Marcus Prado – jornalista