Nina Rodrigues (1935), afirma que, quando se manifesta um santo com todas as regras e preceitos africanos, a alienação mental e as desordens motoras são violentas independentes de localidades, e não tem os caracteres dos ligeiros desmaios das manifestações da maior parte dos santos preparados pelos pais de terreiro, a diferença é que tem uma explicação natural, excluindo toda a idéia de força ou fingimento.
Para Nina Rodrigues (1935), os transes de possessão, não são mais do que estados de sonambulismo provocado, com desdobramento e substituição da personalidade, sendo conhecidos pelas características psicológicas do sujeito. Na CID – 10 (Classificação internacional de Doenças) F44.3, denominado transtornos de Transe e Possessão são caracterizados como uma perda temporária do senso de identidade pessoal quanto da consciência plena do ambiente, em que alguns casos, o indivíduo age como se tomado por uma outra personalidade, espírito, divindade.
Classificado como transtorno dissociativo pelo DSM-IV (Manual Diagnostico e estatístico de transtornos mentais, 1994) com especificações que incluem transtornos com particularidades isoladas ou episódicas, de identidade cultural ou do estado de consciência. Os comportamentos apresentados em estados de transe, atribuídos ao seu orixá, são influências direta refletida pelas circunstâncias existenciais favorecidas pelos valores afro-brasileiros.
Uma dessas atribuições inconscientes que ocorrem num filho de santo é a música, com ela se envolve danças que no Xangô são acompanhadas de mímicas exuberantes, o que constitui um passo para o ritual. Danças individuais com coreografias alucinantes e participação total do corpo em movimentos e contorções violentas. Nestes rituais religiosos, a mágica das danças produzem certos estados psicológicos. (ARTHUR RAMOS, 1940).
O Xangô oferece um espaço sagrado, onde o indivíduo não se sente constrangido a esconder ou dissimular traços de sua intimidade quando dançam se apresentando em público, no Xangô estão liberados para serem o que são e o que gostariam de ser. Para os que entram em Transe, os que vivem intensamente a experiência religiosa, permitem desfrutar um estado psicológico extraordinário, pessoal e intransferível. (PRANDI, 1991).
Um filho de santo nunca tem consciência do que se passa durante a possessão e, por conseguinte, nunca é responsável pelo ato do orixá. Como a dor e as paixões não religiosas experimentadas, não pode ser mensurado nem descrito, a não ser metaforicamente e indiretamente. Faz parte dos “estados internos”, como a inteligência, os afetos e ódios, os desejos, as emoções mais escondidas. (PRANDI, 1991).
Ao ritmo de danças extremamente longas e fatigantes, a moça que teria sido iniciada no santo, acorda surpreendida e com uma lacuna na sua memória que se iniciou na dança até o momento que despertou molhada, declarava em tom de sinceridade que absolutamente não lembrava nada. (NINA RODRIGUES, 1935. p.118,119). A escola de psicopatologia sociocultural acrescenta que a cultura, nessa perspectiva, é elemento fundamental na própria determinação do que é normal ou patológico na constituição dos transtornos e nos repertórios terapêuticos disponíveis em cada sociedade. (DALGALARRONDO, 2000. p.30).
O mesmo autor quando apresenta o ponto de vista da escola existencial, coloca o sujeito como um ser lançado no mundo, que é apenas natural e biológico na sua dimensão elementar, mas que é fundamentalmente histórico e humano. O ser é construído pela experiência particular, na sua relação com outros sujeitos. Comportamentos apresentados como doenças mentais, nesta perspectiva não são vistas como disfunção biológica ou psicológica, mas, sobretudo, como um modo particular de existência, uma forma de ser no mundo, um modo particularmente doloroso de ser com os outros.
A noção de patologia inclui um juízo de valor atribuído à alteração ou transtorno de uma condição vital, ou a uma perturbação estrutural de um ser vivo, ou de parte de seu organismo, afetando a sua estrutura ou funcionalidade. A amplitude na qual se emprega o conceito da palavra normal é tomada por uma variedade de significados. No âmbito das ciências sociais, a noção de normalidade é adequada a comportamentos consoantes com as normas sociais e às expectativas de determinada cultura. No plano antropológico, destaca-se o caráter relativo das normas culturais, sobretudo das normas prescritivas referentes ao modelo de conduta da relação na convivência social. (DALGALARRONDO, 2000. p.372).
O Xangô tem estrutura comum, ocupando um espaço na construção da personalidade dos adeptos, sendo um templo onde se desenvolve toda uma estrutura religiosa. Segundo Nina Rodrigues (1935), a possessão varia de natureza e intensidade, classificam-se entre espontânea e a provocada, em alguns casos a possessa cobre o corpo de urtiga, ou ingere brasa ardente e mechas de algodão embebecida de óleo e acesa. Na possessão provocada o ritmo primitivo dos atabaques marca o compasso da coreografia nos cânticos fetichistas, preparando o terreno às manifestações dos orixás cultuados. (ARTHUR RAMOS, 1940. p. 216).
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Cleiton Nascimento
Psicólogo
CRP02.14558