Estava habituado com o cheiro fedido daquelas regiões abissais. Eram enormes vales onde centenas, talvez milhares, de gritos uniformes e grotescos de dor e sofrimento misturavam-se aos movimentos pesados, na tentativa de seguir pelo caminho espesso e viscoso já tão conhecido por ele. Sons animalescos se misturavam aos pedidos de piedade, ladainhas sem nexo, que mais pareciam formas de garantir uns aos outros, algum espaço naquelas cavernas escuras e sem cor.
A impressão que dava é que estavam todos noutra realidade, cada qual vivendo o seu inferno interior, confusos, irritados, clamando ódio ao Pai, por estarem em situação nada confortável perante as leis reguladoras do universo Divino.
Homens fardados, como num exercito infernal, erguiam suas lanças para os recém-chegados como quem demarcasse poder. Outros, como num torpor, apenas perambulavam entre os que bebiam daquela lama, numa tentativa de matar uma sede que na verdade não existia.
Entre centenas, talvez milhares, lá estava ele. Vestia uma túnica clara, porém encharcada de lama, envolta por uma corda na altura da cintura. Chorava enquanto segurava o pescoço, na tentativa de respirar o ar denso e fétido, mas essencial, a seu ver, para a sua sobrevivência.
Atordoado, olhava todos os lados como quem aguardasse o pior lhe ocorrer, mas logo voltava sua atenção aos seus próprios tormentos, como forma de pedir perdão ao Criador. Ao fundo, ainda ouvia-se o barulho infernal daqueles que clamavam ajuda; nada podiam fazer, há muito viviam a alimentar seus piores sentimentos de ódio e rancor, fruto de uma existência desregrada, sabe-se lá como.
Ao longe, próximo ao grande abismo, via-se surgir uma grande luz, fazendo centenas daqueles moribundos se retraírem e correrem assustadas em suas tocas ou cavernas, tamanha a luminosidade daquelas Criaturas Emissárias de planos mais elevados do orbe. Outros sequer percebiam a Caravana, continuavam alimentando seus próprios tormentos, como numa dimensão inalcançável.
O cortejo seguia em procissão, tateando no chão repleto de formas humanas e animalescas, que se arrastavam como lagartos, a procura do precioso liquido, como se houvesse de achá-lo.
O moribundo sentiu-se atordoado, há muito percebia aquela Luz, mas sempre ficava acuado num canto, como quem segurasse suas próprias pernas, mergulhado no remorso do seu próprio arrependimento; naquele momento o Emissário se aproximava estendendo uma das mãos num tom de socorro, enquanto o Divino Olhar lhe transmitia a mais pura misericórdia. Venha comigo, disse o Emissário, chegou sua hora.
Judas, acuado, levantou-se com muita dificuldade, mas logo desfaleceu aos braços do Emissário, tamanha a plenitude daquele momento.
(…)
Arquiles Petrus – Escritor vitoriense, membro da
Academia Vitoriense de Letras.
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Chocante, mas gostei. Compreendi o título.