O Templo e o Tempo

Dá a impressão de que é um dia de Domingo. A igreja está sozinha, imponente, erguida para o alto. Impossível contemplar o templo sem sentir o tempo. Foi por trás desta Domus Dei que fiz o meu Curso Primário. Lembro-me até do meu corte de cabelo, camisa engomada e gravatinha pendurada no pescoço. A professora dava aula de tudo, até de boas maneiras. Qualquer erro era denunciado à genitora, qualquer desvio da cartilha moral era um pecado. Era proibido pensar nas tentações da carne por trás da Igreja. Profª. Luzinete Macedo ensinava a verbo amar, com todo amor do fundo da alma. Era o mais regular dos verbos, o verbo dos verbos, o mais conjugado. Prof. Luzinete Macedo era bonita, bem fardada, impecável. Falava explicado, com ênfase, uma lição de ser humano. Saíamos com sua aula na epiderme, na respiração, embalados pelo seu tom, seu gosto. Cheirávamos as páginas do livro, passávamos a mão na pele das páginas.

Impossível contemplar este templo sem pensar no tempo, sem pensar na vida, no vulto iconográfico de Padre Pita. Impossível não pensar no destino, nos meus idos e vindas de menino. Meu corpo era maneiro, meu sangue fino, desengordurado, desintoxicado, a morte estava longe. Minha infância evolou-se por trás deste templo, para além dos coqueiros, na penumbra da Hora do Ângelus. Ah! minha vida, nossas vidas, nossos templos, na correnteza fugaz do tempo. Lembra-me a palavra desesperada de Horácio, angustiado com a brevidade da vida: Eheu! fugaces labuntur anni! (Ai de nós! os anos passam ligeiro!).

Transitório abraço!

Sosígenes Bittencourt

Fala, Vitória! – “O Nordeste mudou”



Olha ele aqui de novo. Aldenisio Tavares fica imaginando forró e bota Nildo Ventura e Duda da Passira pra cantar e tocar os seus sonhos. Ninguém é capaz de ver acordado o que vê em sonho. Por isso, a maioria do que o artista pratica, já sonhou. Impregnado de nordeste, Aldenisio é caladinho, mas é danado pra ver coisas e ouvir sons que ninguém desconfia. Dessa vez, inventou que O Nordeste Mudou. Eu já acho que não, o trio mencionado é que anda mudando a maneira de ver o nordeste, focalizando o que há de bom e nunca acaba. É a lupa que vê o que ninguém enxerga. Aí, não é brincadeira. Juntam-se Aldenisio, Nildo e Duda pra fazer a meninada arrastar os pés, agarrado que nem visgo de jaca, de madrugada a madrugada. Tem gente que nem sabe o que está tocando direito, vai na intuição. Outros parecem receber alguma entidade dançarina. Só falta uma pitadinha de autoestima pra valorizar o que é nosso e patrocinar com gosto os talentos da terra. Em Caruaru, se o cara tocar um reco-reco numa esquina, vai para o “panteão da glória” da pátria do pífano. E pra encerrar essa palavrinha, ouvindo e revirando o CD, ainda tomei conhecimento de que Nildo é de Petrolina, esse filho adotivo que vem cantando lá dos longes para encantar nossa Vitória. Como se não bastasse Duda da Passira, com o seu coração bordado de alegria, xamegando a sanfona todo dia.

Forrozado abraço!
Sosígenes Bittencourt