A VELHA CASA SÓ TINHA paredes de frente, o resto virou ruínas. Mas tinha, intocáveis, o que os seus antigos e únicos moradores deixaram no lugar: O berço antigo das crianças; um cavalinho de pau, uma rede movediça a balançar, sozinha, pelos lados vazios; velhos e graciosos sapatinhos de coro; os varões das cortinas, um realejo e o som de antigas canções de ninar saindo do reboco sem aparências;um berço que não pára de balançar.
SEM FALAR DO SOM DOS TRINCOS e das fechaduras dos quartos demolidos pelo tempo, como se estivessem ainda presentes todos os que nasceram, viveram e morreram ali, até as coisas invisíveis saindo das ramagens, como os canais meridianos da aura, seus invólucros etéreos, e os gestos dos que partiram e não voltam nunca mais.
SEM QUERER, eu quase esquecia: o velho e grande espelho da sala de visita, o lugar onde vivem as imagens de tudo o que havia nessa casa, os gestos e comportamentos das pessoas. Passar por esse espelho, em qualquer época, (mesmo partido em muitos pedaços, não importa) significa, portanto, um desafio sem vencedor.
QUEM TIVER o seu espelho que o guarde como quem guarda um álbum de antigas recordações.
Marcus Prado – jornalista