Com o pseudônimo de Justino d Ávila, escreveu o mestre Aragão, para a edição do jornal “O Vitoriense”, em 23 de junho de 1947. há 76 anos.
1922. Quase que se pode dizer: ontem. Entretanto, que diferença tão grande para este tempo junino?
Reporto-me aos meus catorze anos, para recordar as encantadoras noites consagradas aos três santos juninos, com as quais os vitorienses desse tempo enfeitavam a vida da mais delicada e enternecedora poesia.
À frente de quase todas as casas da cidade, ardiam as fogueiras, simetricamente erguidas, fazendo ressaltar entre as chamas crepitantes as palmas de dendê e as bandeiras de papel.
Raríssima a residência em cuja sala principal não estava imponentemente confeccionado o altar de São João! Altar cheio de flores, onde a tarlatana e o prateado da armação lhe davam uma imponência especial. Velas acesas, incenso e cânticos religiosos em louvor ao maior dos precursores. Depois do exercício religioso, os fogos de salão: o craveiro, o diabinho, o mosquito, o busca-pé, com a sua “faixa’ clássica e impressionante, os balões…
À noite, todas as mesas confraternizavam na mesma disposição e no mesmo aspecto. Pobres ou ricas, ninguém lhes distinguia o sabor, pois o tempo não lhes permitia distinções nos cardápios e nem sequer nos paladares: canjica, pamonha, pé-de-moleque, tudo de milho, tudo ao coco, tudo em manteiga…
Nas casas da cidade, entretanto, os festejos se diferenciavam nas danças e “cantigas”. Tanto naquelas entre si, como nas modestas vivendas dos arrabaldes. De uma dessas residências urbanas, saía o vozeiro alegre da criançada:
“Capelinha de melão
É de São João,
É de cravo, é de rosa,
É de manjericão.”
E de outra casa contígua:
“No altar de São João
Nasceu uma rosa encarnada.
São João subiu ao céu
Foi pedir pela casada.”
E o estribilho, uníssono:
“São João!
Nosso pai, nosso doce, nosso bem
Quem não venera São João
Não venera mais ninguém.”
Já na residência fronteiriça, as moças e os rapazes, formando uma enorme roda, de mãos dadas, cantavam alvoroçadamente, estridente e animadamente:
“Lesou, lesou!
Ora vamos vadiar
Cavalheiro deixe a dama
Ora vamos vadiar
Que esta dama não é sua
Ora vamos vadiar!”
E nos subúrbios, nas casinhas humildes, eram o bomboleio rítmico do “coco” na “cantiga” dolente da gente simples “do mato”:
“Vamos pegá e só cá mão
Qui hoje é dia de São João”
O resfolegar das sanfonas, as quadrilhas e os xotes…
25 anos de recordações ameníssimas. 25 anos de bondade e inocência, que passaram e que os asfaltos, a eletricidade, o “jazz”, os coquetéis e os “shows” não deixam mais voltar. 25 anos dos nossos avós, dos nossos pais, da nossa meninice!
25 anos atrás, quando São João era o santo do Brasil e o Brasil a terra de São João. 25 anos …25 anos!… Bodas de prata de saudade!”
Jornal “O Vitoriense”, em 23 de junho de 1947. há 76 anos.