O ano de 2024 poderá ser, no Recife, o das biografias e páginas de memória de grandes vultos da nossa literatura, do jornalismo, das artes, da inteligência criativa. Gênero que sempre manifestou ávido interesse do grande público, as biografias e autobiografias, os chamados diários íntimos, podem contribuir não só aos estudos de história e todas as suas vertentes de pesquisa, sendo parte representativa da crônica de um tempo, panorâmica de um povo, seus costumes, sua paisagem, sua cultura.
Cito como amostra exemplar, modelo de escrita biográfica, a obra de Rüdiger Safranski (1945): “Heidegger: Um Mestre da Alemanha entre o bem e o mal”. É superlativamente a melhor biografia do autor de “Ser e Tempo”, talvez a mais importante obra filosófica do seu tempo, pela estrutura e multiplicidade de abrangências em áreas do pensamento, até na teologia. O livro de Rüdiger Safranski é um sucesso mundial que o professor gaúcho Ernildo Stein (1934) – um dos maiores especialistas em Martin Heidegger (1889-1976) na América Latina, foi aluno do biografado – apresenta para o leitor brasileiro, com a tradução da escritora Lya Luft, direto do alemão. Trata-se não só da vida e da obra do mais polemico filósofo do seu tempo, mas de grande painel intelectual da Alemanha do século vinte, no qual o pensamento heideggeriano é confrontado com o de seus contemporâneos, como Max Weber (1864-1920), Karl Jaspers (1883-1969), Edmund Husserl (1859-1938), Max Scheler (1874-1928), Ernst Cassirer (1874-1928), Ernst Jünger (1895-1998), Carl Schmitt (1888-1985), Theodor Adorno (1903-1969), Hannah Arendt (1906-1975), entre outros.
Além de dizer quase tudo (não conheço biografia que diz tudo) e revelações corajosas sobre o homem e o seu tempo, o Heidegger e seus conflitos ideológicos, políticos e amorosos com a genial Hannah Arendt (uma paixão de outono, já casado, com a genial aluna). Sem falar do homem e filósofo diante do caos (des) humano que desembocaria na tomada do poder de Hitler (1889-1945).
Estou sabendo que o sociólogo e antropólogo Roberto Mauro Cortez Motta (1940), acadêmico da APL, está preparando a biografia de Gilberto Freyre (1900-1987), que poderá ser, além de grande desafio, em mais de um volume, uma enriquecedora contribuição à vasta bibliografia do autor de “Casa-Grande & Senzala”. A antropóloga e cronista Fátima Quintas (1942) segue com a intenção de publicar pesquisas sobre fatos biográficos, inéditos, de Gilberto Freyre. A vida, as ideias do dramaturgo e escritor Ariano Suassuna (1927-2014), a sua grandiosa obra literária, base do Movimento Armorial, Ariano pintor, o seu tempo pernambucano, o imortal da ABL, tudo está no projeto do escritor e professor universitário Carlos Newton Junior (1966) para este ano. Quem foi o poeta e escritor César Leal (1924-2013), a amplitude de sua obra ensaística e poética, a influencia sobre os jovens autores do seu tempo, a chamada Geração 65, tudo isso será revelado por sua filha, a professora Virginia Leal, titular do Setor de Linguística do Departamento de Letras/UFPE, doutora em Semiótica e Linguística pela USP/Université Paris X. O escritor e autor teatral Osman Lins, que nasceu há 100 anos (1924-1978), terá biografia escrita por sua filha, a premiada jornalista Leticia Lins. A pintora Tânia Carneiro Leão (1945), terá muito a dizer no seu livro de memórias “ColeTÂNIA”. O livro promete ser a história de uma vida e de um tempo pernambucano, as grandes amizades que ela construiu ao lado do primeiro marido, o poeta Carlos Pena Filho (1928-1960), e do segundo marido, André Carneiro Leão (1927-2022). Era desses raros que tinham o segredo das grandes amizades. A jornalista Zenaide Barbosa (1954) promete revelações sobre a sua experiência profissional, durante mais de duas décadas, no comando da redação do Diario de Pernambuco. Está com a sua autobiografia quase pronta. Saberemos sobre as conquistas e desafios da jornalista líder de uma equipe de mais de 40 grandes profissionais.
Marcus Prado – jornalista.