Rebeca Andrade, uma Poesia em forma de Mulher – por Marcus Prado


Quando Rebeca Andrade nasceu um Anjo barroco feminino de compleição masculina, com sotaque grego, disse em sonho, como o sonho de Júpiter a Agamenon (Ilíada), como o sonho de Drummond: Vai, Rebeca, dar saltos pelos azuis do firmamento, como a Sílfide das mitologias céltica e germânica. Se a Terra gira e corpos celestes fazem piruetas nos inquietantes céus, parece que Rebeca traz na testa uma estrela das planícies além do Sol, uma sensação de maravilhamento tão comum no mundo antigo a partir da Grécia dos Jogos Olímpicos.

Assisti na TV a cena que mostrava em câmera lenta a performance mágica de Rebeca Andrade nos Jogos Olímpicos 2024. A brasileirinha de vinte e poucos anos, cor de canela, campeã em Ginástica Artística, tem uma flexibilidade rítmica de quem traça um arco na fugidia penumbra do amanhecer na mata, solta no ar como o Uirapuru da floresta amazônica, tamanha a sua magia de piruetas, graça, elegância, força e saltos mortais desafiadores e de alto risco.

A sua luta para se superar, vencer os seus medos e as suas limitações me faz lembrar o belo livro hoje esquecido “Salto Mortal” (The Catch Trap, 1979), da escritora norte-americana Marion Zimmer Bradley. Ambientado no mundo colorido e árduo dos antigos circos itinerantes, em meados das décadas de 30-40, relata a história do romance entre dois trapezistas Mario Santelli e Tommy Zane. Faz-nos entrar em contato com a realidade dos artistas circenses, com detalhes sobre o salto mortal. A superação dos desafios, enfrentando tufões e maremotos. “Eu conheço meus limites. É por isso que eu os ultrapasso”.

Ao ver os saltos de Rebeca (parece que outro salto mais alto principia), eu vejo a poesia de Thiago de Mello, o poeta da Amazônia, ao descrever uma índia de longos cabelos e pernas para as vastas travessias pelos igarapés “que voava como um gavião”. Rebeca é muito mais: parece que salta sobre a “neve de lã” da poesia José Rodrigues de Paiva, tão de Coimbra como de Olinda.

Disseram que Rebeca havia se preparado para fazer história em Paris. Fruto de uma intencionalidade precisa. Seria um almejadíssimo e desafiador Yurchenko, salto com tripla pirueta, conhecido pela sigla YTT, a manobra mais complexa e de dificuldade elevada. “Quanto mais rotações um mortal tem, mais difícil ele é. No caso do Yurchenko, são três rotações que totalizam 1080º no sentindo longitudinal”.
Rebeca não é apenas uma ginasta genial, é uma Poesia em forma de mulher que nasce como as andorinhas, como os sabiás-da-mata.

Marcus Prado – jornalista

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