Anoiteceres

Anoitece em Vitória. Anoiteço em Vitória.

Sou figura noturnal, viajante do ocaso,

sonhador como o crepúsculo vespertino,

morto de saudade como o final.

De olhos vendados, conheço o cheiro dos bairros,

dos becos, do meio do mato de minha cidade natal.

O cheiro de fumaça, de mingau, de chuva.

Sou todo olfato e lembrança. Conheço os trejeitos do meu lugar,

os cabelos perfumados, os enxerimentos, o flerte e o gozo.

Minha cidade é todinha uma mulher.

Chamar-se-ia Vitória das Marias, Maria das Vitórias, tal como é.

Anoitece em Vitória. Anoiteço em Vitória.

Saio para passear, impregnado dos prazeres noturnos,

das eras do meu tempo, que me viciam e me saciam.

Minha cidade muda todo dia, mas não muda o meu sentimento,

o fascínio elaborado pela memória,

como quem ama o que odeia e odeia o que ama,

num jogo de perde e ganha.

Anoitece em Vitória. Sobretudo, anoiteço em Vitória.

Enlouqueço em Vitória. Porque ninguém entende o que em nós

nem conseguimos explicar.

Vitória, meu berço e minha tumba.

Minha alma noctívaga vai enredando sua história.

O acaso me espreita, a surpresa me seduz,

sua bruma, sua luz.

Alucinações e desejos, rimas em ‘ina’, adrenalina,

serotonina, dopamina.

Ah! Vitória, dos meus idos e vindas de menino, minha menina!

Sosígenes Bittencourt

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